quarta-feira, 29 de março de 2017

A DOR



Melancolia Munch
É preciso respeitar a dor.

Acordar pela manhã e dizer:
Fora luz da manhã
Fora cidade renovada
Fora beleza epifânica
fiquem longe passarinhos urbanos:
agentes infiltrados da alegria. 
Fora chuvinha inesperada
que dizima o calor e nos arrasta
para uma caminhada
entre árvores que dizem: basta esperar
estoicamente.

Hoje eu só quero sofrer.

Ficar imóvel. Concentrado em cada
cutilada, em cada espasmo
nos suspiros ansiosos.

Suportar sóbrio o tédio de uma
vida imobilizada. Suportar nos
ossos a revolta sangrenta do
corpo querendo seus estímulos
sua fatia de víveres químicos.

Ficar imóvel por horas
sentindo o sofrimento
se contorcendo. Mordendo.
Arrancando com presas cegas
a polpa de transcendência
a polpa figurativa.
a polpa da memória
a polpa da esperança.  

Mas o imenso parasita do sofrimento
uma vez farto, cedo ou tarde abandona
a carcaça.


A dor ainda era um privilégio
um sintoma que dimensionava
a nobreza de um sentimento evanescente
a dor é a insígnia que significa:  
teve a coragem de sentir.   
  
Não é a dor que dói  
é a dormência subsequente
por isso, ao sentir que a dor
te abandona não hesite
esfregue teu rosto na cinza
e implore, chore sobre os pés
da dor, agarre suas pernas
e diga: Dor, quero que você me habite
sem nenhuma piedade. Por favor, não permita
a humilhação de sorrir num mundo

no qual ela não mais existe. 

O VALE DA DESTRUIÇÃO

Eu andei no vale da morte e só encontrei destruição. A morte perdeu a piedade por nós e nos abandonou para apodrecermos em v...